A ÁSIA NÃO É AQUI

Evidência de que a Ásia não é aqui está na aguda dependência dos "tigres" orientais em relação ao comércio exterior. Mais um surto de açodamento induziu muitos analistas a prever que o Brasil sofreria, inevitavelmente, uma crise cambial semelhante à que desabou sobre países asiáticos no segundo semestre de 1997. Seis meses depois de desencadeada a tormenta no Oriente, a política cambial adotada pelo governo Fernando Henrique Cardoso segue inalterada. E, se não voamos em céu de brigadeiro, também não há sinais da tempestade que, trazida pelo vendaval asiático, deveria castigar o Brasil ainda neste verão. Esse erro de análise resultou da suspeita de que, quando determinados indicadores identificam problemas comuns, países diferentes ficam iguais e acabam dividindo o mesmo destino. A existência, lá como aqui, do déficit em conta corrente e da valorização cambial não faz do Brasil uma nação asiática sem olhos puxados. Além do mais, é um equívoco atribuir exclusivamente a esses dois fatores o golpe sofrido pela economia do Oriente. Examinemos, por exemplo, a situação do sistema bancário daquela região, fechando a lente sobre carteiras de empréstimos assoladas por graves disfunções. Em 1980, em Hong Kong, o total de empréstimos ao setor privado era de 72% sobre o PIB. Em 1995, subira para 321% (no Brasil, nesses mesmos anos, os índices foram de 18% e 27%). Tamanha disponibilidade de recursos a custos baixos estimulou a concessão de crédito sem maiores cuidados técnicos. Uma consequência imediata foi a explosão dos preços de ativos reais, como se verificou no setor imobiliário. Em 1990, um apartamento de 84 m2 em Hong Kong custava, em média, US$ 206 mil. Em meados de 1997, às vésperas da erupção da crise, o preço atingira US$ 808 mil -valorização de quase 300% em dólares americanos. No caso brasileiro, controles impostos pela política monetária e a manutenção de juros em níveis elevados nos últimos anos impediram flutuações desse porte e evitaram riscos semelhantes para o sistema bancário. Além disso, o Proer provou ser um eficiente meio de prevenção de crises sistêmicas, neutralizando as críticas sofridas logo depois de sua criação. Outra evidência de que a Ásia não é aqui está na aguda dependência dos "tigres" orientais em relação ao comércio exterior, medida pela participação no PIB das exportações e importações. Um levantamento feito em 1996 coloca na dianteira Hong Kong, com 300%. Seguem-se Malásia (170%), Tailândia (74%) e Filipinas (65%). No Brasil, em 1996, essa participação era de 13%. Somados, esses dados atestam que a tempestade na Ásia decorreu da conjunção de muitas nuvens, algumas das quais não têm sido vistas nos trópicos. Em contrapartida, temos de encontrar soluções para problemas genuinamente brasileiros. É fundamental reduzir o "custo Brasil", atacar as questões sociais, melhorar a distribuição de renda. Ainda que seja o ano da Copa da França e das eleições, 1998 pode e deve ser mais um ano de reformas. Temos de seguir aperfeiçoando o quadro fiscal e a estrutura tributária. Os avanços recentes mostraram ao governo que vale a pena enfrentar resistências localizadas ou impopularidades passageiras para incorporar o Brasil à parte mais contemporânea do planeta. A política de privatização e a modernização dos critérios para a concessão de serviços públicos têm produzido melhorias nas rodovias, nos portos, nas telecomunicações, na energia. Mas é improvável que qualquer outra transformação ocorrida nestes últimos anos seja mais animadora que a incorporação de milhões de brasileiros ao mercado consumidor, início do resgate da nossa imensa dívida social. Temos bons motivos para acreditar que o Brasil não está destinado a enfrentar uma crise de vastidões asiáticas. Só podem pensar assim pessimistas vocacionais. Mas exagera no otimismo quem enxerga em cada pequeno avanço um passo largo e irreversível em direção à modernidade. O Brasil não está tão perto do céu nem tão perto do inferno. E continua longe da Ásia. Convivemos com virtudes e pecados muito peculiares. Só nós nos conhecemos suficientemente. Só nós, portanto, poderemos fazer com que nossas forças prevaleçam sobre nossas debilidades. * Economista, é presidente do BankBoston no Brasil. Fonte: Folha de São Paulo, 06/03/1998. Textiles: temen más importaciones Los empresarios textiles ven aproximarse la tormenta. Afirman que en apenas dos semanas, el Gobierno argentino se verá obligado a retirar el paraguas que los protege de las importaciones brasileñas, sin contar con una propuesta alternativa que evite daños a la industria local. Esta situación abre las puertas a algo peor: el ingreso irrestricto de tejidos asiáticos. Ven difícil, si no imposible, celebrar un acuerdo con los empresarios brasileños, de modo que éstos acepten "voluntariamente" reducir sus exportaciones hacia la Argentina, "a menos que ocurra un milagro en los próximos quince días". Para los negociadores argentinos, ésa es la única variante que resta para salir del conflicto. Si no prospera, los textiles tendrán que aceptar las nuevas reglas de juego. "Brasil demostró, la semana pasada, que no tenía interés en resolver esta divergencia con la Argentina mediante una fórmula pactada entre los dos países por consenso", declaró, ayer, en una entrevista con Clarín, Alejandro Sampayo, titular de la cámara que agrupa a los empresarios textiles. "Nosotros no vemos que las autoridades brasileñas quieran promover, como propone la Argentina, un acuerdo entre los industriales privados de ambos países", sostuvo el industrial. La disputa entre los dos países nació el año pasado, cuando el entonces ministro Roque Fernández decidió proteger los textiles argentinos mediante salvaguardias -restricciones a las importaciones- que limitaron el ingreso de tejidos procedentes de Brasil, China y Taiwán. Los funcionarios brasileños presionaron sobre el gobierno de Menem para que levantara esas barreras. Pero ante la resistencia de Roque Fernández, el gobierno de Brasil decidió presentar el caso ante un tribunal del Mercosur. A principios de marzo, los jueces de ese tribunal -un estadounidense, un brasileño y un argentino- dieron un fallo adverso a la Argentina. La sentencia impuso al país la obligación de suspender de inmediato las barreras que había colocado contra el ingreso de tejidos del Brasil. Según los textiles argentinos, el gobierno del Brasil mostró las uñas a comienzos de la semana pasada, cuando decidió llevar el conflicto a la Organización Mundial del Comercio, para que sea este organismo el que lo resuelva. "Brasil armó un panel en la OMC junto con un país asiático. Eso tendrá graves consecuencias para la Argentina. Es que si nuestro gobierno debe levantar las salvaguardias contra el Brasil, entonces también tendrá que hacerlo para los casos de China y Taiwán. En esas condiciones, aumentarán los perjuicios para la industria argentina", dijo Sampayo. Gazeta Mercantil, 30-31/03/97, página A-4 Tecnologia: investimento produz pouca riqueza Brasil gasta em C&T mais do que os Tigres Asiáticos, mas não há planejamento: falta interação entre a universidade e a área privada por Maria Helena Tachinardi de Boston No Brasil se formam 14 mil engenheiros por ano, enquanto na Coréia do Sul, com um terço da população brasileira, 30 mil concluem o curso de engenharia. O governo brasileiro investe pouco mais de 1% do Produto Interno Bruto (PIB) em ciência e tecnologia (C&T), incluindo-se o pagamento de dedicação exclusiva aos professores nas universidades federais. Na Coréia esse investimento oficial é muito menor, de 0,3% do PIB, e nos EUA de 0,7%. 0 Brasil investe anualmente US$ 1 bilhão em bolsas para a formação de recursos humanos em pesquisa e desenvolvimento, internamente e no exterior. Esse é um valor significativo, entretanto é preciso gastar com mais planejamento as verbas públicas para aumentar a riqueza do País. Essa foi uma das principais conclusões da I Conferência Brasileira de Ciência e Tecnologia, que reuniu de quarta a sexta-feira passada, no Massachusetts Institute of Technology (MIT), na região de Boston, representantes do governo, do setor privado e da comunidade acadêmica. Em outras palavras, "o investimento em C&T tem que virar PIB do País", afirma Carlos Henrique de Brito Cruz, presidente do Conselho Superior da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). O Brasil precisa urgentemente planejar a área de ciência e tecnologia e se aproximar dos níveis dos chamados tigres asiáticos, entre eles a Coréia. Falta não apenas qualificar mais professores nas universidades brasileiras, já que em somente cinco delas mais de 50% do corpo docente tem doutorado, mas distribuir melhor os recursos e os profissionais. Das cinco universidades, quatro ficam em São Paulo, sendo as mais disputadas a USP e a Unicamp. Mais ainda: um levantamento feito no ano passado pela Associação Nacional de Pesquisa em Empresas Industriais (Anpei), revelou que menos de 1% da mão-de-obra empregada em atividades de pesquisa e desenvolvimento tinha título de doutor. Nos EUA, a média de pessoal envolvido com atividades de C&T por mil habitantes é de 3,7%, enquanto na América Latina essa proporção é de 0,3% e no Brasil de 0,4 a 0,5%, "ligeiramente superior à média da África", comenta Brito Cruz. No Brasil o investimento do governo em C&T é maior que o da indústria (0,14% do PIB, de acordo com dados da Fapesp) e aí está um gargalo importante: o setor privado deveria gastar mais com essas atividades, aumentar a sua interação com a universidade, que está formando pessoal qualificado, e empregar os "novos doutores" brasileiros. Dos que estão no exterior com bolsas da Capes, agência de fomento do Ministério da Educação, 40% não têm vínculo empregatício, isto é, quando concluírem o PhD estarão em busca de emprego. Um dos problemas apontados pela comunidade brasileira que faz pós-graduação na região da Nova Inglaterra, é que "faltam oportunidades competitivas dentro da indústria no Brasil", o que está levando os especialistas em engenharia, por exemplo, a buscar trabalho em bancos de investimento e consultorias, onde os salários são mais altos. Enquanto isso, o País continua exportando produtos com baixo valor agregado e perdendo competitividade nos mercados internacionais por falta de investimento em "design", melhora de qualidade, "marketing" e canais de distribuição. O pró-reitor da Universidade de São Paulo (USP), Jacques Marcovitch diz que o que preocupa não são os déficits comerciais e de conta corrente do País, mas "a tendência, que precisa ser revertida". Segundo ele, "os resultados do passado não são suficientes para enfrentar os grandes desafios. O Brasil precisa cada vez mais de recursos humanos qualificados no seu próprio mercado, na América Latina e nos EUA". Dos bolsistas que não querem voltar para o Brasil depois de terminado o curso, sugere Marcovitch, deve-se esperar que continuem contribuindo para " desmistificar modelos e realidades", favorecendo a imagem do País no exterior, que ajudem no processo de avaliação departamental, escrevam artigos científicos para publicações brasileiras, passem temporadas como professores visitantes e integrem colegiados nas universidades a que pertencem. Os conferencistas brasileiros reunidos no MIT concordaram em que mesmo no exterior o ex-bolsista pode e deve ser útil à C&T no País. Para os que voltam é preciso oferecer salário, benefícios complementares, fontes de financiamento para pesquisas. Nesse sentido, a USP é uma das instituições que está mudando, enfatiza Marcovitch: liberou o professor para atividades de consultoria um dia por semana e cursos de extensão para melhorar o rendimento. Ele vê novos campos de trabalho no Brasil a partir da formação de blocos regionais na América Latina, entre eles o Mercosul e a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA). A Universidade de São Paulo está privilegiando a formação de profissionais em relações internacionais. Não apenas a universidade, os centros de pesquisa do governo e o setor privado devem ser considerados como alternativas para os recém-doutores. "Eles têm oportunidade de trabalhar em suas próprias empresas", salienta José Mindlin, pioneiro no Brasil na instalação de um centro de pesquisa e desenvolvimento em sua empresa, a Metal Leve, tradicional fabricante de pistões vendida há pouco tempo para a alemã Mahle. Hoje, como diretor do Departamento de Tecnologia da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e um dos sete membros do Conselho Nacional de Tecnologia liderado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, Mindlin não só está interessado em aproximar a demanda e a oferta de trabalho, o que entusiasmou os estudantes, como está convencido de que "a boa empresa é a do cérebro". Por isso, ele acha que os novos doutores se inspirarão nos exemplos da Microsoft de Bill Gates, da Xerox e da Polaroid, que nasceram da aventura, do risco. O mineiro Hugo Barra, que faz graduação em engenharia de computação, administração e especialização em economia no MIT, pretende ser um empreendedor. "Quero abrir uma empresa de consultoria no Brasil nos moldes das consultorias de tecnologia dos EUA, onde ainda existem poucas", disse a este jornal. No verão Hugo vai fazer estágio na Silicone Valley Internet Partners. Segundo ele, a empresa foi "fundada pela nata das firmas americanas de tecnologia há menos de um ano, fatura mensalmente US$ 1 milhão e vai instalar um escritório no Brasil". O problema para os que querem bancar seus próprios negócios é o financiamento. No Brasil, ao contrário dos EUA, falta o capital de risco. "O esquema de organização do "venture capital" vai entrar na ordem do dia no Brasil como resultado da estabilização econômica. Vamos entender isso rápido porque antes não sabíamos o valor do dinheiro", aposta Brito Cruz. Na opinião do presidente da Fapesp, as leis de renúncia fiscal também estão estimulando a abertura de empresas. A nº 8.248/91 permite a dedução de até 50% do Imposto de Renda (IR) devido, por companhias do setor de informática que invistam pelo menos 5% de seu faturamento bruto (no mínimo 25% em instituição pública de C&T) em pesquisa e desenvolvimento. A lei 8.661/93 concede dedução, até o limite de 8% do IR devido, também para investimentos em ciência e tecnologia na indústria e na agropecuária. Além disso, isenta a empresa de pagamento do IPI (imposto sobre produtos industrializados) para equipamentos, máquinas, aparelhos e instrumentos destinados à pesquisa. Como disseram Mindlin e outros conferencistas, o Brasil está em fase de transição e a indústria está preocupada com a questão da competitividade. Entre as novas alternativas que estão surgindo, a da Fapesp é essencialmente favorável à pesquisa inovativa na pequena empresa. A entidade paulista vai lançar em abril o edital de um programa para apoiar projetos no valor de até US$ 250 mil cada com um prazo de maturação de dois anos e meio. O objetivo é aumentar a competitividade da empresa (com menos de cem empregados) e valorizar o pesquisador principal, que deve estar vinculado à firma. Há um outro programa da Fapesp com recursos de US$ 10 milhões por ano ("dinheiro do contribuinte paulista") para estimular o desenvolvimento tecnológico das empresas. O problema é que "não temos projeto para apoiar", lamenta Brito Cruz.